A atuação letal da polícia nas periferias brasileiras

Desde a colonização, o Brasil foi marcado por desigualdades estruturais profundas, com a concentração de terras, riqueza e poder nas mãos de poucos, enquanto grande parte da população foi empurrada para a marginalização e a pobreza. Esse processo histórico de exclusão social e econômica criou condições que, ao longo dos séculos, se manifestaram nas periferias urbanas atuais como altos índices de violência e insegurança. Nas comunidades, onde o Estado muitas vezes se mostra ausente, esses legados coloniais ainda determinam o acesso restrito a direitos básicos como educação, saúde e emprego, alimentando um ciclo de violência que desafia as políticas públicas até hoje.

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Os moradores enfrentam diariamente invasões policiais. E não para por aí. Quantos registros existem de comunidades sendo ocupadas? Quantos casos de crianças e, principalmente, adolescentes que foram mortos injustamente, apenas por estarem no lugar e momento errados?

Um capítulo doloroso dessa realidade é a brutalidade praticada por forças policiais, que muitas vezes agem com autoritarismo e irresponsabilidade. Um caso revoltante é o da menina Ágatha Vitória, morta aos 8 anos de idade. Ela voltava de um passeio com a mãe; as duas estavam em uma Kombi de transporte coletivo quando dois policiais atiraram contra uma moto que passava. A polícia alegou que havia um confronto no local no momento do disparo — versão contestada por todas as testemunhas. Cinco anos depois, o agente que efetuou o disparo foi absolvido.

A polícia, desde sua criação, esteve ligada ao controle de interesses das elites, especialmente sobre populações pobres, negras e periféricas. No Brasil, esse papel se intensificou com a militarização das corporações, que passaram a adotar uma postura cada vez mais agressiva e repressiva.

Em entrevista ao Brasil de Fato, uma moradora do Complexo da Maré, na zona norte do Rio de Janeiro, contou como perdeu um de seus três filhos durante uma operação policial:

“As pessoas dizem que ouviram os gritos do meu filho pedindo por socorro e para ajudarem ele. Os policiais saíram de dentro do ‘caveirão’ e deram dois tiros no peito do meu filho e mataram meu filho ali.”

O racismo estrutural atravessa as práticas policiais, influenciando diretamente a seletividade com que a força é aplicada. Dados apontam que a maioria das vítimas da violência policial é negra, refletindo um padrão histórico de exclusão. A junção entre militarização, racismo e ausência de políticas sociais efetivas cria um ambiente propício para abusos e violações de direitos humanos durante as operações nas favelas.

Essa relação entre forças de segurança e moradores gera uma constante sensação de medo. Nunca se sabe se aquele será o seu dia. Você sai de casa sem saber se vai conseguir voltar, ou se será morto no caminho, ao cruzar uma esquina errada.

Foto: Luiz Fernando Nabuco/Aduff

Um papel que deveria garantir proteção se transformou em motivo de temor. A atuação repressiva coloca em risco não só a integridade física das pessoas, mas também sua saúde mental. É comum encontrar moradores com depressão, ansiedade e outros transtornos emocionais — consequências de uma guerra que parece não ter fim. Uma realidade que mina qualquer esperança de melhora.

Essa vivência é traduzida em versos como os da música “Quem Tem Boca Vaia Roma”, do rapper César MC:

“Onde a bala perdida sempre acha a pele preta! Coincidência? Estranha essa treta.
Tiros de borracha apagam a história de quem nem teve caneta.”

Perder um amigo ou familiar para a violência virou rotina nas comunidades. Cada caso é motivo de profunda dor coletiva. Os moradores seguem cansados da repressão, do uso excessivo da força em operações nas favelas, da impunidade diante das mortes provocadas por agentes do Estado e da falta de transparência nas investigações. São ações que se repetem há anos sem consequência alguma.

Pesquisadores como Luiz Eduardo Soares, ex-secretário nacional de Segurança Pública, apontam que a militarização das polícias e a ausência de políticas públicas estruturais perpetuam uma “guerra não declarada” contra as favelas. Segundo ele, o modelo atual de policiamento fracassa porque se baseia na repressão, e não na construção de vínculos.

“Não se combate violência com mais violência. Segurança se faz com justiça social e cidadania.”

Todos os dias, pessoas saem de casa com uma família, amigos e sonhos a realizar. E todos os dias, essas mesmas vidas são interrompidas. É urgente enfrentar esse problema — que é fruto de décadas de desigualdade, pobreza e exclusão. Passou da hora de termos investigações sérias, políticas de segurança que realmente funcionem e que protejam todos os cidadãos. Sem distinção de classe social. Sem distinção de cor. É tempo de olhar para as vidas que todos os dias são silenciadas, sem nem terem tido a chance de se defender.

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