Um documentário clandestino derrubou uma magistrada na Argentina: Julieta Makintach foi destituída do cargo e proibida de voltar à Justiça depois de aparecer como protagonista de um filme gravado durante o julgamento da morte de Diego Maradona, que acabou anulado pelo escândalo. Em termos futebolísticos, ela foi mandada “já para o vestiário!”.
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A destituição foi decidida nesta terça-feira (18) por um júri especial da província de Buenos Aires, formado por juízes, advogados e legisladores. Além de perder o cargo, Makintach, de 48 anos, foi inabilitada permanentemente de ocupar funções no sistema judicial e perdeu benefícios associados ao posto, como a aposentadoria especial. O painel concluiu que ela violou deveres de imparcialidade, abusou da autoridade e comprometeu a credibilidade das instituições ao permitir e participar de gravações não autorizadas dentro do tribunal.
O escândalo veio à tona em maio, quando as primeiras imagens de um documentário intitulado Justicia Divina — gravado em segredo — começaram a circular. Nas cenas, Makintach aparecia caminhando pelos corredores do tribunal, falando diretamente à câmera e comentando elementos do processo que ela mesma julgava. A filmagem, segundo a acusação, interferiu diretamente na transparência do julgamento que investigava sete profissionais de saúde por suposta negligência na morte do ex-jogador, ocorrida em 2020.
Cartão vermelho judicial: a expulsão da magistrada do “campo”
Durante o julgamento político que levou à sua queda, a promotoria afirmou que Makintach “ridicularizou a Justiça argentina”, mentiu em depoimentos, pressionou testemunhas e permitiu o acesso da equipe de filmagem a ambientes restritos. A procuradora-geral Analía Duarte classificou o episódio como “um dano monumental” à legitimidade institucional.
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A anulação do julgamento original exige que todas as 44 testemunhas — incluindo as filhas de Maradona, Dalma, Gianinna e Jana — sejam ouvidas novamente. As cerca de 20 audiências realizadas até então perderam validade. Um novo julgamento foi marcado para 17 de março de 2026.
No tribunal, a decisão foi acompanhada por Verónica Ojeda, ex-companheira de Maradona, e pelo filho dos dois, Diego Fernando, de 12 anos, que se emocionaram ao ouvir o veredicto. “Foram cinco anos de luta da família. Hoje, finalmente, essa juíza pagou o que tinha que pagar”, disse Ojeda. Para ela, o foco agora deve voltar ao mérito da causa: “Hoje não deveríamos estar falando disso, mas julgando os responsáveis pela morte de Diego”.
A família de Maradona também reagiu nas redes sociais. Gianinna, uma das filhas do craque, escreveu: “Voltar a acreditar na Justiça argentina é um alívio. No meio de tanta merda, confiar novamente já é muita coisa”.
Makintach acusa amiga de idealizar o documentário
Horas após a destituição, Makintach rompeu o silêncio e deu entrevista ao programa Telenoche. Ela afirmou que o projeto do documentário teria sido concebido por María Lía Vidal, sua amiga de longa data, que a convidou em uma festa de aniversário. Segundo a juíza, ela acreditava que participaria apenas de uma entrevista simples e não tinha conhecimento de que seria a protagonista de um material audiovisual de maior porte.
A magistrada também acusou dois colegas — os juízes Maximiliano Savarino e Verónica Di Tomasso — de terem conhecimento da filmagem desde o início. Makintach afirmou ainda que Savarino teria apagado mensagens que comprovariam o envolvimento de outras pessoas no projeto. “Eu não apaguei nada”, disse. Ela também se disse usada e enganada: “Jamais imaginei que uma entrevista se tornaria esse monstro que destruiu minha carreira”.
A defesa da ex-juíza argumentou, ao longo do processo, que ela teria sido “manipulada” pela produção e que não tinha intenção de comprometer o julgamento.
O julgamento da morte de Maradona
A morte de Diego Maradona, em novembro de 2020, gerou comoção global e abriu uma série de investigações sobre a conduta da equipe médica responsável por seu tratamento. Sete profissionais respondem por homicídio culposo, acusados de negligência e abandono. O processo já se arrastava havia anos quando o escândalo estourou.
Com a anulação das audiências, o caso deve se estender ainda mais. Promotores afirmam que o julgamento de 2026 será conduzido sob vigilância reforçada, com restrição de mídia e padrões mais rígidos de protocolo interno.
O escândalo envolvendo Makintach, que começou com um documentário secreto, abre uma discussão mais ampla sobre exposição midiática, ética judicial e o uso público da figura de Maradona, ainda hoje o ídolo mais mobilizador da Argentina.









