Diferentes formas de protestos

Este protesto foi em Londres, em 2003, na Trafalgar Square, e eu mesmo estava presente. Quando ainda estudante de veterinária, tranquei a faculdade para passar um ano na Inglaterra, trabalhando em diversos empregos, como ajudante de cozinha, faxineiro, garçom, fastfoods, barman e até mesmo segurando uma placa na avenida mais movimentada da capital inglesa: Oxford Street. O protesto era contra a guerra do Iraque orquestrada por George W. Bush Junior, o qual estava naquele dia em visita oficial à Londres. Uma estátua gigante feita pelos manifestantes foi derrubada no ápice daquele dia histórico, que reuniu mais de cem mil pessoas, que tomaram não só a praça mais famosa da cidade, como também todas suas ruas em seu entorno. Já no final da tarde daquele protesto que durou o dia todo e se adentrou pela noite, após diversos discursos de lideranças e ativistas, de repente, vejo um ser, já de idade um pouco avançada e cabelos brancos, arrancando as roupas e entrado no grande e famoso chafariz da Trafalgar Square, presente em diversos cartões postais da cidade. Não satisfeito, ele escalou pelado até o topo da fonte, a uma temperatura beirando os zero graus Celsius, enquanto a galera ia ao delírio. Minutos depois, a polícia já havia cercado o chafariz aguardando a saída daquele anônimo manifestante. Ainda pelado, a polícia o envolveu em um manto e o encaminhou até a viatura, aos gritos daquela enorme multidão.

No Canadá, duzentos cidadãos, insatisfeitos por serem espionados por câmaras dos Estados Unidos, formaram uma fileira e abaixaram as calças, mostrando suas nádegas brancas como a neve aos policiais. A tradição é milenar, e já na Idade Média existiam relatos em guerras entre ingleses e escoceses onde o bundalelê, como é chamado no Brasil, já era utilizado como forma de provocação aos seus inimigos. No ano de 1203, durante a quarta Cruzada, europeus tentaram invadir Constantinopla e foram expulsos pelos bizantinos, que mostravam a bunda enquanto seus invasores fugiam. 

Até os dias de hoje, esta forma de protesto ainda é muito comum, comprovando-se recentemente quando alemães mostraram a bunda aos policiais franceses em 1981 contra as usinas nucleares. No Brasil, em 2016, após o golpe contra Dilma Roussef, manifestantes se organizaram em um “bundaço Fora Temer” em Brasília. Literalmente de botar pra feder! Ao ser consultado por um jornalista, um dos manifestantes soltou: “Nádegas a declarar!”

Em 2003, quando morava em Camden Town, o bairro mais louco de Londres, onde nasceu o punk, certo dia acordei e me deparei com uma cena nada comum. Eram dezenas de ciclistas protestando e fazendo-se chamar a atenção para que se respeitassem as leis de trânsito na cidade, e em particular os ciclistas, assim como, também com caráter ecológico, protestando contra combustíveis fósseis e tóxicos. Nada de incomum, a não ser o fato de todos estarem nus. Recentemente, através de pesquisas, descobri que o evento se chama “World Naked Bike”, e acontece uma vez por ano, em diferentes datas e em diversas cidades do mundo.

FONTE: https://www.pexels.com/

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Por mais que alguns nos tirem do sério, durante as manifestações ficamos ainda mais exaltados por causa da energia proporcionada pela aglomeração ao nosso redor, contudo, temos que manter a calma para não perdermos a razão e sofrermos piores consequências. Não que não tenha sido uma bela cena de assistir, mas o jornalista iraquiano Muntazer al-Zaidi, indignado com a situação em que os Estados Unidos haviam deixado o Iraque, teve que cumprir a pena de seis meses de prisão por agredir um chefe de estado. Por sorte (ou azar) Bush abaixou-se quando seus sapatos “tamanho 10” (correspondente ao tamanho 40 no Brasil) foram lançados em sua cabeça.

Outra bela cena, de semelhante maestria, aconteceu em meu país. Foi a esbelta cusparada na cara que o deputado federal Jean Wyllys deu no também deputado a época (antes de se tornar o pior presidente do Brasil) Jair Bolsonaro durante a votação pelo impeachment de Dilma Rousseff em 2016. É perseguido pela extrema direita até hoje, tendo se exilado nos Estados Unidos quando Bolsonaro venceu as eleições e tomou posse em 2019.

Enfatizo que sou contra agressões físicas e cusparadas na cara dos outros. Questionados, anos mais tarde, nenhum dos dois – nem o brasileiro e nem o iraquiano – haviam se arrependido de seus atos.

Em 2012, as ruas de Bruxelas foram tomadas por mais de três mil produtores de leite de diversos países da Europa, como França, Alemanha, Polônia e Holanda, que protestavam alegando que o preço pago pelo litro do leite não pagava os custos de produção. A polícia se mobilizou e os protestantes entraram em confronto. Munidos de grande quantidade de vacas leiteiras, miraram seus tetos contra as tropas de choque e atiraram litros e litros de leite em cima deles, assim como no prédio do parlamento.

Vai aí a dica para o setor leiteiro brasileiro, quarto maior produtor de leite do mundo, com produção de mais de trinta e quatro bilhões de litros por ano, empregando cerca de quatro milhões de pessoas no país: se preciso, sujem as mãos de leite, não de sangue!

Dizem que qualquer poesia por si só, já é uma forma de protesto. Ghandi protestava através do agir pelo não agir. Ao longo dos séculos, muitos outros protestos, alguns deles bem inusitados, foram alarmados ao redor do mundo.

Recentemente, descobri mais uma forma de protestar. Muitas vezes, por críticas externas ou preconceito, deixava minhas meias pretas abandonadas no fundo da gaveta esperando para serem usadas concomitantemente com alguma calça, escondendo-as dos olhos alheios. Mas o que tenho percebido, e o que me fez mudar minha visão sobre o assunto, é que o uso de meias pretas com bermuda, é uma grande forma de protesto, e sempre que vejo alguém, como eu, também fazendo o uso desta combinação, avalio o restante da pessoa e concluo que tal tese é uma verdade em um mundo onde a aparência significa mais do que o caráter.

Autor

  • Ricardo Lacava

    Ricardo Lacava é veterinário graduado pela UNESP, mestrado pela UFSC e Doutorado pela UNESP/Harper Adams University (Sanduíche/Reino Unido). Graduação em letras pela UFSCAR em andamento. Servidor público federal do Ministério da Agricultura desde 2008. Menção honrosa no Prêmio Literário Cidade de Manaus 2024. Autor do romance “Infecundo Solo”, segundo lugar no Prêmio José de Alencar do Concurso Internacional de Literatura União Brasileira de Escritores do Rio de Janeiro, 2017. Vencedor do Prêmio Literário Uirapuru 2019 com o livro “Astúncio, o estúpido esclarecido” e do XIV Prêmio Literário Livraria Asabeça 2015 com a obra “O Canto do Urutau (A Lenda do Mãe-da-lua)”. http://lattes.cnpq.br/3957903174743776

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