MC Poze do Rodo é preso no Rio e caso levanta debate sobre seletividade penal no Brasil

O cantor de funk Marlon Brandon Coelho Couto Silva, conhecido nacionalmente como MC Poze do Rodo, foi preso na manhã da última quinta-feira (29) em sua casa no Recreio dos Bandeirantes, Zona Oeste do Rio de Janeiro.

A operação foi deflagrada pela Delegacia de Repressão a Entorpecentes (DRE) da Polícia Civil, que cumpriu mandados de prisão temporária e de busca e apreensão contra o artista. Poze é investigado por apologia ao crime, associação para o tráfico e suposta ligação com a facção criminosa Comando Vermelho.

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A maneira como a prisão foi conduzida chamou atenção: veículos blindados, agentes fortemente armados e um aparato digno de operações de alto risco, mesmo sem que Poze oferecesse resistência. Vídeos feitos por vizinhos mostram o cantor sendo levado sob gritos de apoio de moradores e fãs.

Declaração de vínculo com o Comando Vermelho

Ao chegar ao sistema prisional, MC Poze declarou, conforme protocolo da Secretaria de Administração Penitenciária (SEAP), ter vínculo com o Comando Vermelho. A autodeclaração, comum nesse tipo de triagem, visa evitar conflitos entre internos de facções rivais. Com isso, ele foi transferido para a Penitenciária Dr. Serrano Neves, mais conhecida como Bangu 3, onde estão detidos outros presos ligados à mesma facção.

A polícia argumenta que o cantor utiliza sua música como instrumento de propaganda do tráfico. Trechos de suas canções estariam sendo usados para justificar uma possível “glamourização da vida no crime” e incentivo à adesão de jovens ao tráfico de drogas.

Críticos apontam, no entanto, que essa interpretação ignora o papel do funk como expressão cultural da juventude periférica.

Reações do meio artístico e político

A prisão provocou uma onda de manifestações nas redes sociais. Diversos artistas, influenciadores e políticos se posicionaram contra a detenção do cantor, denunciando o que consideram um claro caso de criminalização da arte e da cultura favelada.

O funkeiro Oruam, parceiro próximo de Poze, publicou um vídeo dizendo:

Tropinha da moto, se prepara. Só um sinal verde

MC Cabelinho foi direto:

“Desde sempre a cultura preta, favelada, periférica é criminalizada. Quando um roteirista branco escreve sobre a vida de um traficante é arte. Quando um MC favelado canta o que vive e vê, é apologia ao crime. Hipocrisia escancarada.

A deputada estadual Dani Monteiro (PSOL-RJ) também se manifestou:

A prisão do Poze é simbólica. É o sistema dizendo que preto favelado não pode ter sucesso, não pode contar sua história, não pode vencer por sua arte.”

Comparações incômodas

A prisão de MC Poze foi rapidamente comparada à recente detenção do empresário Rogério de Andrade, investigado por comandar esquemas ligados ao jogo do bicho e lavagem de dinheiro. Andrade, homem branco, empresário influente e réu por diversos crimes, foi preso sem algemas, de maneira discreta e sem alarde. Em contraste, Poze negro, jovem e morador da periferia foi levado em uma operação com aparato digno de um foragido internacional.

Essa diferença de tratamento reacende uma discussão antiga sobre o racismo estrutural e a seletividade penal no Brasil. Especialistas em direito penal e sociologia afirmam que o sistema de justiça brasileiro é profundamente marcado por desigualdades que atingem, de maneira sistemática, a população negra e periférica.

Expressão cultural ou apologia?

No centro do debate está a interpretação do conteúdo das músicas de Poze. Para defensores do artista, suas letras são retratos fiéis da realidade de milhares de jovens nas favelas. Para a polícia, elas promovem a ideologia de facções.

É importante diferenciar denúncia da realidade e apologia. Poze não inventou o crime, ele o viveu. Criminalizar isso é silenciar a periferia”, afirma a socióloga Juliana Borges, autora do livro Enciclopédia Negra.

A prisão de MC Poze do Rodo vai muito além de um caso policial. Ela lança luz sobre as estruturas que criminalizam corpos, territórios e formas de expressão. Ela convida a sociedade brasileira a refletir: por que a arte de um homem preto e favelado é tratada como crime, enquanto a atividade ilícita de um empresário branco é tratada com deferência e silêncio?

Por que a prisão de um homem preto é sempre espetáculo, enquanto a de um homem branco é protocolo?

Essa é a pergunta que a sociedade precisa se fazer. E, mais que isso, precisa responder.

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