Desde sua chegada à Ferrari no início da temporada 2025, Lewis Hamilton vinha tentando projetar serenidade diante do desafio mais simbólico de sua carreira: reconstruir a escuderia mais tradicional da Fórmula 1 enquanto redefinia sua própria trajetória no ocaso de uma era gloriosa. Mas os últimos acontecimentos sugerem que a convivência entre o heptacampeão e a estrutura técnica da equipe italiana — especialmente com seu engenheiro de corrida, Riccardo Adami — está longe de ser harmônica.
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O GP de Mônaco, palco histórico da categoria, escancarou de forma quase didática os ruídos da comunicação entre piloto e box. Durante a prova, Hamilton questionou sua distância para o carro da frente. A resposta de Adami, no entanto, não foi objetiva:
“Eles estão com pneus médios usados, 12 voltas de uso” — disse o engenheiro, desviando da pergunta original.
Hamilton, contido mas incisivo, retrucou:
“Você não está respondendo à pergunta. Eu acho que não importa, na verdade, mas estou só perguntando se estou um minuto atrás ou…”
A troca, seca e cortante, foi transmitida ao vivo e repercutiu instantaneamente. Não era o primeiro sinal de descompasso. No sábado de classificação, Hamilton foi punido com a perda de três posições no grid após atrapalhar a volta rápida de Max Verstappen. A origem do erro foi mais uma vez a comunicação com Adami, que o informou erroneamente de que o piloto da Red Bull estava desacelerando. Hamilton largaria em sétimo.

O episódio adicionou mais lenha à fogueira acesa em Miami, semanas antes, quando o britânico reagiu com visível frustração após a Ferrari permitir que Charles Leclerc o ultrapassasse, sem aviso, durante a estratégia de corrida. Hamilton não poupou palavras:
“Não vou me desculpar por ser um lutador”.
Frederic Vasseur, chefe da equipe, correu para estancar o sangramento público. Em Mônaco, garantiu que não há crise, tampouco rusgas entre engenheiro e piloto:
“Nós decidimos não falar com o piloto nas curvas. Quando ele está perguntando algo entre a curva 1 e a curva 3, temos que esperar até o túnel para responder, para evitar falar com ele durante as curvas. Foi exatamente o que aconteceu”.
Para Vasseur, a suposta omissão de Adami tem explicação operacional. Ele reforçou:
“O fato de você não responder de imediato ao rádio não significa que você está ignorando o piloto. Tenho total confiança em Riccardo Adami. Estamos sempre tentando melhorar a comunicação”.
Indagado sobre possíveis mudanças na equipe de engenheiros, o dirigente descartou qualquer troca:
“Eu conversei com os dois e está tudo bem. Eles têm uma boa relação. Nenhuma troca está nos planos”.
Mas o discurso institucional de Vasseur contrasta com a frequência e a natureza dos ruídos entre Hamilton e o time, que não parecem meros tropeços logísticos. A tensão acumulada se manifesta em palavras ditas — e nas que não são. Hamilton, conhecido por sua franqueza estratégica, parece se sentir alijado de decisões e respostas que antes vinham com fluidez. Os gestos dele em corrida, suas pausas no rádio, e até os sorrisos forçados nos bastidores, sugerem incômodo velado.

Apesar disso, o fim de semana monegasco teve um sabor agridoce. Com Charles Leclerc vencendo em casa, a Ferrari somou pontos valiosos e reduziu a diferença para a Red Bull no campeonato de construtores: de 17 para apenas 1 ponto. Foi o segundo pódio da equipe no ano, uma vitória que alivia, mas não esconde as fissuras internas.
Hamilton, por sua vez, continua buscando espaço e sintonia em uma estrutura ainda marcada pelo protagonismo de Leclerc e pelo tradicionalismo ferrarista. O britânico chegou a Maranello como promessa de renovação, mas encontra dificuldades em traduzir seu peso histórico em autoridade técnica — ao menos até agora.
Enquanto isso, o campeonato avança para o GP da Espanha. A Ferrari chega fortalecida nos números, mas com feridas discretas. E, como ensina a Fórmula 1, são as pequenas falhas — especialmente as que se instalam no silêncio dos rádios — que costumam se tornar irreparáveis ao longo da temporada.