A reportagem publicada pelo ge nesta segunda-feira provocou forte repercussão no futebol brasileiro ao revelar áudios que apontam para um suposto esquema de comercialização clandestina de camarotes no estádio do Morumbis, em dias de grandes shows. O material expõe diálogos atribuídos a Douglas Eleutério Schwartzmann, diretor-adjunto das categorias de base, e Mara Casares, diretora feminina, cultural e de eventos do São Paulo Futebol Clube.
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Os áudios, segundo o ge, foram gravados no contexto de uma disputa judicial envolvendo a exploração de um camarote específico do estádio, o 3A, e trazem admissões explícitas de irregularidades, além de pressões para que uma ação judicial fosse retirada, com o objetivo de evitar a exposição do caso e possíveis consequências políticas e administrativas dentro do clube.
Em um dos trechos mais impactantes revelados pela reportagem, Douglas Schwartzmann reconhece que a negociação não seguiu os trâmites normais do clube e admite que houve ganho financeiro entre os envolvidos. A declaração, “teve negócio que você ganhou dinheiro, eu ganhei, todo mundo ganhou”, tornou-se o principal símbolo da gravidade do conteúdo divulgado.
Na gravação, Douglas classifica a prática como “clandestina” e afirma que todos tinham ciência de que o procedimento não era regular, sustentando que a operação teria ocorrido como um “favor” concedido fora dos padrões institucionais do São Paulo.

O camarote 3A, centro da controvérsia, está localizado no setor leste do Morumbis. Conforme documentos internos citados pelo ge, o espaço aparece identificado como “Sala da Presidência”, sendo utilizado tradicionalmente para reuniões estratégicas, recepção de convidados e entrevistas institucionais. O local fica em frente ao escritório do presidente Julio Casares, o que reforça sua relevância simbólica dentro da estrutura do estádio.
Apesar disso, o áudio indica que o camarote foi repassado para exploração comercial durante o show da cantora Shakira, realizado em fevereiro. Os ingressos chegaram a ser vendidos por valores de até R$ 2,1 mil, com faturamento estimado em R$ 132 mil apenas nesse evento.
Segundo a reportagem, a exploração do camarote ficou a cargo da empresária Rita de Cassia Adriana Prado, apontada nos áudios como intermediária do esquema. Foi ela quem passou a negociar os ingressos com empresas e marcas interessadas em utilizar o espaço durante o show.
O problema surgiu quando Adriana, por meio da empresa The Guardians Entretenimento Ltda, entrou com uma ação judicial contra a Cassemiro Eventos Ltda, representada por Carolina Lima Cassemiro. O processo tramita na 3ª Vara Cível de São Paulo.
Na ação, Adriana afirma que teve um envelope com 60 ingressos retirado sem autorização nos corredores do estádio, no dia da apresentação. Ela sustenta que os ingressos haviam sido negociados por R$ 132 mil, mas que apenas R$ 100 mil foram pagos, o que a levou a tentar reter o material e, posteriormente, a registrar um Boletim de Ocorrência na 34ª Delegacia de Polícia de São Paulo.
É justamente a existência desse processo que, segundo os áudios obtidos pelo ge, passa a preocupar os dirigentes. Douglas e Mara aparecem pressionando Adriana para que retire a ação judicial, alertando que o avanço do caso poderia expor o esquema e atingir figuras importantes do clube.

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Douglas menciona diretamente o nome do superintendente geral Marcio Carlomagno, afirmando que ele teria conhecimento da cessão do camarote e que poderia ser demitido caso a situação viesse à tona. Em outro momento, o dirigente demonstra preocupação com o impacto indireto sobre Julio Casares, citando a relação familiar entre o presidente e Mara.
Nos áudios divulgados pelo ge, Mara Casares demonstra temor quanto aos efeitos do caso em sua trajetória política dentro do São Paulo. Ela afirma estar construindo um caminho profissional para assumir cargos mais altos no clube e diz que a exposição do processo poderia comprometer seriamente seus planos.
Em tom de apelo, a dirigente pede ajuda à intermediária, afirmando que sempre agiu com confiança e respeito e que o momento exigiria uma solução para “limpar o presente” e preservar o futuro.
Especialistas ouvidos pelo ge avaliam que o caso pode se enquadrar no crime de estelionato, previsto no Artigo 171 do Código Penal Brasileiro, que trata da obtenção de vantagem ilícita mediante fraude. A pena pode variar de um a cinco anos de reclusão, além de multa.
No âmbito interno, o Estatuto Social do São Paulo prevê punições que vão de advertência e suspensão até perda de mandato e inelegibilidade, dependendo da gravidade da conduta e do dano causado à imagem do clube.
A divulgação dos áudios não esclarece há quanto tempo o esquema teria funcionado nem quantos camarotes podem ter sido negociados em outras ocasiões. Ainda assim, o conteúdo revelou indícios de uma prática recorrente, mencionando inclusive outros grandes shows realizados no Morumbis ao longo do ano.
Com a apuração interna anunciada pelo São Paulo e o processo judicial em andamento, o episódio permanece aberto e deve continuar gerando desdobramentos, tanto no campo jurídico quanto no político, dentro de um dos clubes mais tradicionais do futebol brasileiro.
Posicionamento do São Paulo Futebol Clube
Em nota enviada à reportagem do ge, o São Paulo Futebol Clube confirmou que o camarote 3A é de responsabilidade do clube, mas esclareceu que, na data do evento, 13 de fevereiro, o espaço estava reservado à diretoria feminina, cultural e de eventos, então comandada por Mara Casares.
Segundo o clube, o camarote é utilizado tanto para fins comerciais quanto institucionais, mas sua utilização depende da configuração do palco, já que a visão pode ficar comprometida em determinados eventos. No caso do show em questão, o São Paulo afirma que o espaço foi destinado a ações de hospitalidade com parceiros.
Ainda de acordo com a nota, o clube declarou que desconhecia o teor e as circunstâncias dos áudios divulgados e que não tinha conhecimento de eventual uso indevido do camarote. O São Paulo também informou que os ingressos destinados ao espaço foram adquiridos diretamente junto à produtora do evento, seguindo os procedimentos formais exigidos.
Após a repercussão, o clube divulgou um segundo comunicado, reiterando que não tinha conhecimento prévio das gravações e refutando a existência de um esquema ilegal de uso de camarote e venda de ingressos.
Versão de Mara Casares
Questionada pelo ge, Mara Casares confirmou que o camarote foi cedido à intermediária Rita de Cassia Adriana Prado, mas negou ter obtido qualquer vantagem financeira com a operação.
Segundo a dirigente, Adriana mantinha parceria comercial recorrente com a diretoria feminina, cultural e de eventos, o que teria criado uma relação de confiança. Essa proximidade, de acordo com Mara, possibilitou a cessão pontual do camarote para o show, diante da proximidade do evento e da falta de tempo hábil para concluir todas as burocracias internas.
Mara afirmou ainda que condicionou a cessão à compra legítima dos ingressos diretamente com a produtora, o que, segundo ela, foi feito pela intermediária. O problema teria surgido quando Adriana, sem autorização, repassou o camarote a uma terceira pessoa ligada a uma marca do mercado, o que acabou gerando conflitos comerciais.
A dirigente também declarou que o São Paulo só tomou conhecimento do conflito no dia do show, momento em que o clube teria atuado para evitar prejuízos ao público e a terceiros. Posteriormente, ao saber que o impasse evoluiu para ações judiciais, Mara afirmou que tentou intermediar uma solução, com o objetivo de evitar que o nome do clube fosse envolvido negativamente.
Ela reconheceu que a conversa registrada nos áudios pode ter ocorrido em tom elevado, mas foi enfática ao afirmar que nem ela nem Douglas Schwartzmann receberam qualquer tipo de vantagem financeira ou favorecimento, antes, durante ou depois do episódio.
Manifestação de Marcio Carlomagno
Citado diretamente nas gravações, o superintendente geral Marcio Carlomagno afirmou que tomou conhecimento do áudio por meio da reportagem e disse ter sido surpreendido pelo uso de seu nome.
Em pronunciamento, Carlomagno negou qualquer irregularidade e afirmou que refuta a alegação de uso clandestino do camarote. Segundo ele, o espaço foi cedido pontualmente ao departamento feminino, cultural e de eventos, dentro das atribuições normais do clube.
Versão da empresa Cassemiro Eventos
A empresária Carolina Lima Cassemiro, da Cassemiro Eventos Ltda, que responde a processo movido pela intermediária Adriana Prado, afirmou que não tinha conhecimento de que o camarote fazia parte de um suposto esquema ou que não poderia ser comercializado.
Segundo Carolina, sua empresa foi enganada e acreditava estar participando de uma negociação regular. Ela declarou ainda que possui provas de que cumpriu o acordo financeiro, efetuando os pagamentos conforme o combinado, e que Adriana não teria entregue tudo o que havia sido acordado entre as partes.
Silêncio de outros citados
Douglas Eleutério Schwartzmann e Rita de Cassia Adriana Prado foram procurados para comentar o conteúdo da reportagem e dos áudios, mas não responderam.









