O ambiente político no Congresso deteriorou-se de forma significativa e se tornou um grande entrave para o avanço das medidas econômicas consideradas essenciais pelo governo para equilibrar as contas públicas de 2026.
O episódio mais simbólico desse desgaste foi a ausência dos presidentes da Câmara, Hugo Motta, e do Senado, Davi Alcolumbre, na cerimônia de sanção do projeto que ampliou a faixa de isenção do Imposto de Renda, uma proposta de grande apelo popular aprovada por unanimidade nas duas Casas. O gesto foi interpretado como demonstração clara do mau relacionamento com o Palácio do Planalto.
Esse clima adverso surge justamente quando o governo tenta aprovar iniciativas que devem gerar cerca de R$ 30 bilhões extras no próximo ano. Esses recursos são considerados indispensáveis para atingir a meta de superávit primário prevista para 2026. A conjuntura, porém, é marcada por um calendário legislativo apertado, pela disputa com pautas politicamente sensíveis, como anistias e mudanças previdenciárias, e pela crescente irritação de lideranças parlamentares com decisões do Executivo.
Entre as principais propostas da Fazenda para elevar a arrecadação estão o corte linear de 10% em diversos benefícios e incentivos fiscais, estimado em quase R$ 20 bilhões, e a elevação da tributação sobre fintechs e sobre as apostas esportivas on-line. Ambas avançaram nas comissões, mas a votação no plenário ainda é incerta, dado o momento de mau humor da cúpula do Congresso com o Palácio do Planalto.
No Senado, Davi Alcolumbre está descontente com a indicação de Jorge Messias para o Supremo Tribunal Federal (STF), escolha que contrariou setores da Casa. Como reação, ele apoiou pautas com impacto fiscal elevado, como a alteração da Previdência de agentes comunitários de saúde, e convocou sessão do Congresso para analisar vetos presidenciais relevantes. Devem ser derrubados, por exemplo, trechos vetados por Lula da lei que instituiu o Programa de Pleno Pagamento de Dívidas dos Estados (Propag).
Na Câmara, o ambiente também é de tensão. Hugo Motta rompeu interlocução com o líder do PT, na Câmara, Lindbergh Farias, após uma série de desentendimentos, entre eles a retirada de pauta da medida provisória alternativa ao Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), a escolha do deputado Guilherme Derrite (PL-SP) para relatar o projeto antifacção e o seu licenciamento da Secretaria de Segurança do governo Tarcísio de Freitas, em São Paulo.
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Mesmo diante da instabilidade, as propostas econômicas ainda seguem adiante em ritmo moderado. O projeto de redução dos incentivos fiscais foi aprovado na Comissão de Finanças e Tributação e seguirá para a Comissão de Constituição e Justiça. O relator, Mauro Benevides, vai conversar com o presidente da Câmara e com o ministro Haddad para tentar apensar à proposta um projeto de sua autoria com o mesmo teor que já tem urgência para votação no plenário.
Já o projeto que eleva a tributação sobre instituições financeiras e casas de apostas encontra mais resistência. O relator, Eduardo Braga, decidiu escalonar o aumento das alíquotas até 2028, o que reduz a arrecadação prevista inicialmente para 2026. Representantes dos setores afetados pressionam por mudanças, mas o presidente da Comissão de Assuntos Econômicos, Renan Calheiros, tem sinalizado que a votação deve ocorrer na próxima semana. Caso o texto seja aprovado na CAE e não haja recurso para o plenário, seguirá diretamente para a Câmara.
A equipe econômica tenta minimizar a percepção de conflito com o Congresso. Dario Durigan, secretário-executivo da Fazenda, afirma que o diálogo segue normalmente, inclusive com a oposição, e que a orientação do ministro Fernando Haddad é manter uma comunicação transparente e constante. A principal preocupação da pasta, segundo ele, são as “pautas-bomba” que podem reverter avanços fiscais obtidos durante o ano e ameaçar o equilíbrio das contas públicas.
Haddad, por sua vez, adotou um tom conciliador durante a cerimônia de sanção do IR, agradecendo publicamente Motta e Alcolumbre pelo empenho na aprovação da proposta e afirmando que o país depende da atuação de ambos para concluir o ano de forma positiva. Em entrevistas, o ministro reforçou que não há ruptura entre governo e Congresso, mas sim um “estremecimento momentâneo”, algo que, segundo ele, passará.
Além das propostas de arrecadação, o governo enfrenta outros desafios estruturais no Legislativo. A Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) ainda não foi aprovada e necessita incluir prazos obrigatórios de pagamento de emendas, o que pode dificultar a execução orçamentária de 2026. Também permanece em aberto a análise dos vetos ao programa de renegociação de dívidas dos estados. Governadores devem insistir na derrubada de dispositivos vetados por Lula, o que pode gerar impacto adicional sobre a dívida pública federal.









