Após quatro dias detido, o cantor e compositor MC Poze do Rodo, um dos nomes mais influentes do funk carioca, foi libertado por decisão judicial nesta segunda-feira (2). Acusado de associação ao crime e apologia ao tráfico, o artista teve sua prisão revogada sob duras críticas à conduta policial. O episódio reabriu o debate sobre a criminalização da arte periférica no Brasil e levantou questionamentos sobre os limites entre expressão cultural e conduta criminosa.
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Cercada de polêmica, Justiça considera prisão excessiva
Apesar da operação, os investigadores não encontraram armas, drogas ou elementos concretos que ligassem diretamente o artista ao crime organizado. A base da acusação foram postagens nas redes sociais e letras de músicas que mencionam práticas comuns ao tráfico.
Na decisão que determinou a soltura, o desembargador responsável afirmou que a prisão era desproporcional, e que os materiais apreendidos seriam suficientes para a continuidade da investigação sem necessidade de privação de liberdade. A forma como a prisão foi conduzida também foi criticada, por ter supostamente violado princípios de dignidade e presunção de inocência.
MC Poze, agora em liberdade, deverá cumprir medidas cautelares, como comparecimento mensal ao fórum, entrega de passaporte e proibição de contato com outros investigados.
Poze do Rodo: entre a denúncia e a arte
O caso evidencia uma tensão antiga: até que ponto a representação da violência nas periferias pode ser confundida com a promoção dela? Poze, como muitos artistas do funk e do rap, usa sua música para relatar a vivência nas favelas ambientes marcados por abandono estatal, repressão policial e presença do tráfico.
Especialistas ouvidos por nossa reportagem divergem. Para alguns setores da segurança pública, o conteúdo artístico pode funcionar como instrumento de influência e validação simbólica do crime. Já juristas, sociólogos e artistas denunciam o que chamam de “criminalização seletiva” da cultura negra e periférica.
A Justiça raramente age com o mesmo rigor contra sertanejos que falam em ‘meter bala’ ou artistas que exibem ostentação armada em filmes de ação. Com o funk, a lente é outra, afirma a professora de Direito Penal Luciana Ribeiro, da UERJ.
Poze do Rodo não é o primeiro e dificilmente será o último artista a ser alvo da repressão policial com base em interpretações sobre o conteúdo de sua obra. Nos últimos anos, nomes do funk, trap e rap têm sido investigados e até condenados em processos semelhantes, quase sempre em contextos de alta exposição midiática.
O que diferencia o caso de Poze é sua popularidade. Milhões de seguidores o acompanham, e sua música se tornou trilha sonora de uma juventude que se vê representada em sua voz. Para essa audiência, sua prisão não é apenas um ato jurídico é um sinal de que a periferia ainda precisa justificar sua existência.
O processo segue em segredo de Justiça. Poze está em liberdade, mas o cerco segue. E a pergunta persiste: o sistema quer investigar crimes ou silenciar narrativas?